Existe o fracasso da educação pública, e existem causas.

O fracasso da educação pública é algo assimilado pela opinião pública brasileira. É como falar sobre a corrupção na política. Admite-se, mas não se enxergam causas nem soluções. É mais um mal da sociedade brasileira que, grosso modo, nem adiantaria trazer para a discussão. Poderia ser mais um tema para humorísticos e discursos de palanque, mas o brasileiro não quer se envolver no problema. Rende reportagens na televisão, denúncias na imprensa, mas não é algo que tire o sono daquele que frequenta uma escola ou manda seu filho passar horas diárias em uma delas. Nada além de mais uma fraqueza do país.
Existe uma vasta bibliografia sobre o fracasso da escola pública. Mas que é feita para educadores preocupados com currículos e metodologias. Na verdade, é um diálogo que se efetiva apenas no meio acadêmico. E que acaba influenciando decisões políticas. Estatísticas, avaliações institucionais. No entanto, quem trabalha ou trabalhou na escola pública e, além disso, estudou nela, sabe que as causas de seu fracasso se evidenciam nas ações cotidianas ali praticadas. Há inúmeros culpados. Diretores, professores, alunos, pais, pedagogos, burocratas.
Existe uma máscara encobrindo as causas desse fracasso. E que encobre soluções que ultrapassem os âmbitos curricular e metodológico, com todos os recursos físicos que estes envolvem. A máscara cria falsos mitos para encobrir os verdadeiros culpados. Ela erige falsos mártires. Transforma em vítimas aqueles que são imediatamente culpados pelas ações que levam ao fracasso. E que insistem nessas ações.
Não há dúvida: as causas são muitas. Vão desde a aula mal dada à aula nunca dada. Entre uma e outra, a máscara é construída por todos que estão envolvidos no processo educacional. E atrás dela existe um mundo inacreditável, que a imprensa não denuncia, que o acadêmico não coloca em suas pesquisas, que a autoridade finge não perceber, e que existe porque inúmeras pessoas ganham com esse fracasso. E são ganhos de inúmeros tipos.
Por que não falar sobre isso? Mas falar do ponto de vista de alguém que presenciou cada uma das causas desse fracasso aqui apontadas. Desde a vida como aluno até o trabalho como professor e pesquisador. Alguém que estranhou a probição que recai sobre essa discussão. E que passou a ver a própria discussão oficial sobre o assunto como uma máscara. Dizer que a escola ganhou um computador ou que não o possui é só uma forma de não se dizer que o instrumento vai ser usado para burlar o processo pedagógico. Mas, quem o disser estará fora da dança de quadrilha que é o debate sobre educação, não formará um trenzinho nem girará no círculo daqueles que se envolvem no assunto.
É preciso ter a coragem de dizer: na educação pública acontece isso, acontece aquilo, e tudo isso gera o inevitável: o fracasso. Que nenhum dos programas oficiais voltados para a melhoria do ensino público vai conseguir vencer. Tal como a escola pública acontece hoje, ela só poderá acabar em falência completa.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Escola Ângelo Trevisan e os falsos ídolos do fracasso escolar


No artigo de José Luiz de Paiva Bello, que inseri neste blog em postagem anterior, é feita a seguinte indagação:

Quem se formou na área de ciências humanas sabe resolver uma raiz quadrada? Ou melhor (ou pior!): sabe o que é uma raiz quadrada? O que é uma equação de segundo grau? Para que serve? O que é um pleonasmo? Uma síncrise? Uma figura de linguagem? O que é uma oração subordinada? O que é uma conjunção? Talvez não saibamos nem mesmo o que seja uma preposição. Se não somos professores de português sabemos escrever corretamente? Usar corretamente a crase, o isso ou isto, usar vírgulas, exceção é com cê cedilha ou com dois esses etc, etc e etc...
Tudo isso (ou isto?) nos foi "ensinado" na nossa formação escolar. E esquecemos... Ora, se esquecemos, será que aprendemos? Se não aprendemos, então para que serve a escola? Na minha opinião para discriminar.
Os professores dos cursos superiores, na sua maioria, adoram dizer que os estudantes não sabem escrever. Mas se os estudantes chegam ao curso superior sem saber escrever, sem saber expressar suas idéias, de quem é a responsabilidade? Dos estudantes ou dos seus ex-professores?
 

Parece uma obviedade e o sistema educacional brasileiro tem feito do não-aprender uma realidade que nem se pensa em mudar. Tanto que hoje alguns vestibulares já passaram a exigir provas de algumas disciplinas, apenas daquelas que teriam algum interesse para o curso escolhido. Confirma-se o que Bello fala acima: o professor de ciências nem sabe o que é um ditongo e o de português nem lembra que já ouviu falar em mitocôndria; fora da educação, os profissionais nem lembram os conteúdos escolares, a menos que convivam com eles pela televisão ou internet; conteúdo escolar serve para fazer prova, cartaz, pesquisa na internet, e passar de ano. Aprender, de maneira nenhuma. Transformar aquela informação, que Montaigne chama de “vômito de professor”, nos Ensaios, há quase cinco séculos, em competência, ou conhecimento, é considerado um crime pedagógico. No Paraná, oficializado através dos documentos que condenam a educação moderna feita através de competências, de conhecimentos significativos para o aluno.

O professor Júlio Furtado escreveu um livro chamado Aprendizagem Significativa. Certamente ele vai ser condenado pela Secretaria de Educação do Paraná. Até porque aqui neste estado existe o cerceamento da liberdade científica nas escolas. Furtado questiona a educação que não ensina, que não transforma informação em conhecimento. Quando conversei com Furtado em 2009, aqui mesmo em Curitiba, ele ficou surpreso em saber que as escolas daqui ainda ensinavam os conteúdos como objetivos, através de exames e da decoreba. Enviei a ele os documentos da SEED que condenavam as formas modernas de avaliação. Mas Furtado é um daqueles pedagogos que sabem que o fracasso da educação tem muito a ver com o que ele chama de corrupção pedagógica, ou prostituição pedagógica, como o ouvi definir.

Furtado deve ter passado pela Escola Estadual Ângelo Trevisan, quando esteve em Curitiba. Lembro o organizador daquele evento em 2009 ter falado aos presentes que eles poderiam tomar um vinho em Santa Felicidade. Se Furtado tivesse entrado naquela escola, teria aumentado o seu livro em mais umas oitocentas páginas. Imaginar toda uma proposta pedagógica baseada nos famosos “ídolos da tribo”, de Bacon, e colocadas na condição de verdade, é algo tão repugnante em pleno ano de 2012, como ter ouvido da boca de aluno da referida escola que a ditadura militar foi a melhor época da história brasileira. Acontece, e não apenas como ídolos da tribo, mas também como ídolos da caverna, do foro e do teatro. A caverna é formada por alunos que acreditam que hábitos arraigados, como a avaliação através de provas, é uma vantagem do fato de sua escola  nunca ter saído da década de 70. Na verdade, ela é uma das causas de o aluno da Escola Ângelo Trevisan não chegar a um modelo significativo de aprendizagem. Essa mesma caverna abrange os pais dos alunos. Eles acreditam em ídolos, mas não na verdade científica. Os filhos têm anotado o número de páginas que leem por semana, e os pais acreditam que se trata de um projeto de literatura, quando o desvalido aluno lê os blockboosters da indústria capitalista. Mas, quantos desses pais leram literatura? Sabem do que se trata? Faz pensar no caso da bibliotecária relatando que um pai ficou furioso pelo fato de o filho ter lido Rubem Fonseca. Esse tipo de ídolo se manifesta no evidente preconceito social que faz o aluno de tal escola acreditar que aprende ou se expressa numa variante padrão. Essa variante, que os intelectuais brasileiros consideram como um instrumento de dominação e de preconceito, é ali chamada de “norma culta”, como uma forma de sugerir que esses mesmos pais, frutos do fracasso da educação brasileira, e causa inegável do fracasso dos próprios filhos, seriam membros de uma elite culta. E, enquanto as propostas curriculares oficiais enfatizam a necessidade de se desmascarar esse preconceito e o ridículo de se atrelar cultura à variante padrão, as mães que passam seus domingos assistindo a reality shows insistem na necessidade de se fazer seus filhos acreditarem na superioridade dessa variante.

Seria apenas ignorância, mas é também um ídolo do foro, pois essas mães conseguem fazer da proposta curricular dessa escola um apanhado de suas crenças formadas através da Revista Caras. Elas possuem poder para incluir na proposta curricular aquilo que os Parâmetros Curriculares Nacionais, escrito por pessoas como Jaqueline Peixoto Barbosa, já condenaram de forma científica e racional. Essa submissão das propostas pedagógicas à ignorância de quem representa o fracasso da educação brasileira é uma recorrência. Nas escolas da periferia, o aluno não lê; na escola Ângelo Trevisan, ele ganha prêmios por ler porcaria. Esse mesmo espírito de valorizar porcarias leva essas mães, e seus desinformados filhos, a abraçarem um livro didático cujo uso é proibido por núcleos de educação mais capacitados. O culto à porcaria faz com que o aluno, que lê oitocentas páginas por mês, tenha o nível ortográfico característico de pessoas com problemas de aprendizagem, e não apenas com dificuldades de aprendizagem. Mesmo o português sendo uma língua ortográfica, para ser visualizada, os alunos escrevem como se conhecessem a língua apenas na forma oral. Leem Harry Potter acreditando que a Inglaterra fica dentro dos Estados Unidos e que é possível chegar lá de carro.

Esse modelo de fracasso pedagógico oficializado resulta nos ídolos do teatro. A escola aparece em programas de televisão que elogiam o fato de o aluno cantar hinos, ou formar filas antes de entrar na sala. No interior do estado, é costume nas boas escolas, as salas ficam abertas, e não se registra um único incidente. O aluno respeita o espaço escolar, e faz da escola uma comunidade. Postam na internet as fotos de suas festinhas de aniversário, feitas durante o recreio. Na Escola Ângelo Trevisan, os alunos precisariam de um programa extracurricular muito consistente para que um dia chegassem a esse nível de integração. A diretora vai às salas e fotografa o lixo que ficou espalhado. Para que chegassem ao nível de aprendizagem significativa dos alunos de uma escola como a José Ferreira Diniz, em Dinizópolis, interior do estado, precisariam de pelo menos um século. Precisariam de pais que ficassem diante de seus programinhas de televisão e deixassem o conhecimento científico para a escola. Família educa; escola ensina. A Escola Ângelo Trevisan inverteu a relação. A pedagoga dá sermões; os pais elaboram o currículo.

Mas, essa defasagem não vai incomodar esse aluno. Afinal, o modelo adotado pela escola paranaense é feito para ele. Não lembrar nada do que se estudou na série anterior. As medalhas são o único resíduo de cada ano de escolarização. Talvez a escola ainda crie um sistema de avaliação baseado na quantidade de medalhas conseguidas pelo aluno. Essa ideia ainda vai ser sugerida por algum membro de instância colegiada, desses que assistem aos reality shows abraçados com as filhinhas, enquanto em alguma esquina uma pessoa faz os trabalhos que a escola pediu. Esse sistema de corrupção pedagógica, ou de prostituição escolar, como poderia afirmar Furtado, é algo arraigado na caverna. Muito mais que a verdade científica. As pessoas que perpetram essa tradição são mães experientes no costume de fazerem provas coladas, trabalhos pagos, e chegaram à meia idade com o mesmo domínio dos conteúdos escolares que os filhos de doze anos. Acreditam que o aluno lá da cidadezinha do interior, que faz da escola uma comunidade, está numa condição de inferioridade social ou linguística em relação ao seu filho. E esse aluno da cidadezinha, na sua pré-adolescência, possui um referencial de conhecimentos significativos que esses pais, já na sua meia idade, jamais chegarão a possuir. Mesmos aqueles pais que compraram um diplomazinho em alguma faculdade feita para o aluno fracassado e se formaram comprando trabalhos prontos.

O que fazer, se pessoas que não passaram por uma aprendizagem significativa, e são exemplos crassos do “nem saber de que se trata”, de que fala Bello, são responsáveis pela manutenção das propostas pedagógicas de escolas, e fazem da corrupção pedagógica o seu ídolo maior? Escolas como a Ângelo Trevisan criam seus fantoches, que enganam as crianças inocentes, mas que repugnam às pessoas que estão acordadas, ao se perceber que os adultos dali acreditam que os fantoches sejam pessoas reais. Um escola apenas para discriminar, mais nada.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Artigo sobre Pedagogia a professores, extraído de site

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO




Educação é uma farsa!


José Luiz de Paiva Bello
Rio de Janeiro, 1998.
(revisado e alterado: jul. 2004).




Diálogo entre dois professores no corredor de uma escola:
"- Então você reprovou o estudante Fulano? Por que?
- Porque ele não sabia escrever.
- Mas você é professor de História e ele foi aprovado pela professora de Português.
- Mesmo assim ele não sabia expressar suas idéias na minha disciplina.
- Ora! Se todos os outros professores aprovaram você tinha que aprovar também. Você não pode ser diferente dos outros.
- Mas ele não conseguiu assimilar o conteúdo da minha disciplina.
- Não interessa! Reprovar por que?
"
Essa me foi contada por um colega professor de uma cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro:
"Tive um estudante na sétima série que era analfabeto. Eu, por achar lógico, reprovei-o na minha disciplina. Por tê-lo reprovado todos na escola, professores, funcionários e estudantes, pularam em cima de mim como se eu tivesse cometido um crime. Fiquei curioso, como professor novo na escola, e fui procurar saber o motivo de tanta revolta contra mim.
Descobri que o estudante em questão era sobrinho da muito querida faxineira. Por ser um menino
'muito bonzinho' a professora da primeira série do primeiro grau aprovou-o e jogou o problema para a professora da segunda série. A professora da segunda série, por achá-lo também 'muito bonzinho', repetiu o ato irresponsável da professora anterior. E assim foi até a sétima série, quando caiu sob a minha responsabilidade. Resultado: o menino, então com treze anos, era analfabeto e não poderia continuar os estudos; teve que sair da escola e passou a ser considerado um estudante 'especial'"
Outra história de professor:
"Fui demitido de uma faculdade porque reprovei a filha do dono. Em trinta dias/aula ela só assistiu um dia. Mesmo assim o Diretor, que era o dono, se sentiu no direito de me mandar embora. A qualidade das minhas aulas, minha integridade moral e a aprendizagem dos estudantes não estavam em questão."
Mais outra de uma escola estadual de Ensino Fundamental no subúrbio do Rio de Janeiro, contada por outro colega, professor de História:
Num Conselho de Classe os professores discutiam a promoção de estudante por estudante. A professora de matemática dizia que um de seus estudantes não foi bem, mas sugeria a aprovação dele já que seu pai vivia bêbado, sua mãe era prostituta e o estudante estava envolvido com drogas. Todos do Conselho votaram pela aprovação. A professora de Português, falando de outro estudante, dizia que ele não tinha conseguido um rendimento satisfatório, mas, como estava envolvido com drogas, sugeria a sua aprovação para estimulá-lo nos estudos. Todos do Conselho votaram pela aprovação. A professora de Geografia citou uma outra estudante que não tinha ido bem, mas como ela soubera que esta estudante tinha se tornado prostituta, a aprovação poderia tirá-la desta vida. E assim foi até que passaram a analisar uma estudante que havia tirado ótimas notas em todas as matérias. Meu colega perguntou pelas condições familiares e de vida desta aluna. Ao saber que seus pais eram honestos e trabalhadores e a estudante uma menina comportada, votou pela reprovação dela: "Ora! Se estamos aprovando todos aqueles que trazem problemas familiares e vivenciais, esta estudante não faz mais do que sua obrigação de tirar nota dez em todas as matérias. Como não tirou, voto pela reprovação".
É claro que meu colega estava ironizando o ridículo Conselho de Classe.
Bem, não vou ficar contando histórias que todos os envolvidos em educação estão cansados de conhecer. Aliás, se tivesse que contar essas histórias aqui daria para preencher um grosso livro. Mas isso é a educação formal. A realidade concreta das escolas não é o que se apregoa sobre educação. Ou seja: uma coisa é a realidade vivenciada nas escolas, outra coisa é a teoria pedagógica.
Você que está lendo este texto, e trabalha numa faculdade de Pedagogia, faça um teste: pergunte ao professor de Psicologia da Educação ou o de Estatística (se eles não forem Pedagogos por formação, o que normalmente acontece...) o que é Pedagogia. Ou então, mais especificamente, pergunte a um professor de Psicologia da Educação, o que é "bullying", ou ainda, qual a diferença entre dificuldade de aprendizagem e problema de aprendizagem. Experimente perguntar a um professor de um curso de Pedagogia o que é ser Pedagogo. Se eu não sei responder a estas perguntas, como eu posso estar contribuindo para a formação profissional dos estudantes que estão sob minha responsabilidade? Eu estarei ensinando o quê e para quê?

Os professores, na sua maioria, não conhecem a área de atuação dos estudantes que estão formando vão trabalhar.

Esta é a característica principal das nossas faculdades: os professores, na sua maioria, não conhecem a área de atuação dos estudantes que estão formando vão trabalhar. Não estou me referindo apenas a Pedagogia; refiro-me a qualquer curso de graduação. É comum encontrarmos professores de Psicologia da Educação que, durante toda a duração de seu curso, só se referem a Freud, Klein, Reich e não fazem nenhuma referência a Piaget. Aliás, conheço casos de Pedagogos, recém formados, que nunca ouviram falar de Piaget. De Montessori e Freinet então, nem se fala; são raros os cursos de Pedagogia que conseguem repassar o que é a didática montessoriana ou freinetiana. Quando muito estes autores são trabalhados, de forma sucinta, na disciplina História Geral da Educação e, mesmo assim, para colocá-los dentro de uma escola teórica pedagógica. O nosso Paulo Freire é um ilustre desconhecido dos nossos cursos de graduação em Pedagogia. Nos cursos de Pedagogia é comum encontrar psicólogos ministrando a disciplina Didática. Provavelmente porque este psicólogo, professor de Didática, ou é muito amigo de quem seleciona os professores na instituição, ou é bem indicado. Neste caso não é a competência do professor ou a aprendizagem do estudante que está em questão.

A "aula dada" através de seminários oferecidos pelos alunos é uma prática explícita de charlatanismo ou ignorância.

Por falar em didática, o que dizer da didática das salas de aula dos cursos superiores? A aula dada através de "seminários"? Será que não existe um cérebro são neste país para denunciar isto como uma prática de charlatanismo? A "aula dada" através de seminário representa o mesmo que o paciente entrar num consultório médico, para fazer uma pequena cirurgia, e o médico tratá-lo através de um ritual "voodu". Os professores que aplicam a "didática do seminário" consideram "aula dada" as apresentações feitas pelos estudantes que, pelo menos teoricamente, não sabem o que é didática. Eles repassam aos estudantes a responsabilidade do planejamento da aula, que deveria ser sua, e o saber de uma técnica, que deveria ser seu. A prática da apresentação do "seminário", inclusive, é o próprio atestado da farsa, onde os estudantes copiam trechos de livros, entregam um trabalho escrito ao professor e fazem uma leitura enfadonha diante dos demais estudantes desinteressados. E o mais grave é que os professores consideram esta leitura como "aula dada" e "matéria para a prova". Então os estudantes têm que correr para os livros para estudar ("a parte dos outros", se não a própria parte, já que o trabalho apresentado foi copiado da Internet) aquilo que o professor deveria ter facilitado a eles. E isto quando se têm "provas", porque, na maioria das vezes, as notas são dadas para a apresentação do "seminário", que não passou de uma leitura enfadonha de uma cópia de trechos de livros. E então, o professor, do alto de sua galhardia pedagógica dá nota 7 para um, nota 4 para outro, nota 9 para outro e outras notas para outros. Agora eu pergunto: aqui entre nós, colegas, vocês acreditam mesmo que esses professores tenham critérios sérios para avaliar o desenvolvimento da aprendizagem através da prática do "seminário"? Quais serão os critérios adotados para dar uma nota 7 a alguém que foi lá na frente para fazer uma leitura. Se a avaliação fosse para um curso de arte dramática até poderíamos entender...
Já que estamos falando de avaliação e de notas, que tal falar da prova em dupla ou prova em grupo? Não estão acreditando? Pois acreditem, é a mais pura verdade. Já vi vários professores, de várias instituições, aplicarem provas pontuais (prova 1 mais prova 2, depois tira a média) em grupo ou em duplas. Acredito que um professor que faça uma coisa dessas ou nunca leu nada sobre medidas e avaliação, ou, se leu, nada entendeu. Aliás, lendo ou não lendo, é uma atitude totalmente irracional. Será que esse professor não consegue perceber que se ele juntar um estudante aplicado, estudioso, com outro que seja um idiota, preguiçoso, os dois tirarão a mesma nota? Se a prova serve para ajudar ao professor a ter consciência do desenvolvimento da aprendizagem do estudante na sua disciplina e, conseqüentemente, reformular o seu planejamento, a estratégia da prova em dupla ou em grupo é totalmente inútil e equivocada.
E o que dizer do "fichamento", prática tão comum de tantos professores? O fichamento parece uma "Torre de Babel", onde cada professor exige dos estudantes aquilo que ele mesmo considera fichamento, desconsiderando, na maioria das vezes, as técnicas do fichamento e as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas, a ABNT. Já presenciei professor pedir para seus estudantes "fichamento em grupo" (!?). Além disso, são pedidos fichamentos a partir de cópias xerográficas de capítulos de livros (o que é ilegal e continua a ser praticado em grande escala) quase que ilegíveis. O fichamento, com certeza, é uma técnica interessante de estudo, mas perdida pela incompetência generalizada.

Provavelmente a única instituição que não dá o menor valor às normas emanadas pela ABNT é a Academia de Ciências.

Já que estou fazendo deste texto um desabafo em forma de mosaico, permitam-me inserir aqui a questão da ABNT. Provavelmente a única instituição que não dá o menor valor às normas emanadas pela ABNT é a Academia de Ciências. Em todos os cursos professores e coordenadores fazem o que querem das normas. Alguns estudantes me retornam que seus professores orientadores “orientou-os” a “esquecer as normas da ABNT”(!!??). Imaginem o desacerto com o professor das disciplinas de Metodologia Científica, Técnicas de Estudos ou Técnica de Pesquisa. Os professores destas disciplinas mostram que não consta como regra limitações de páginas num trabalho científico; que o que vale é o conteúdo. Vem o professor orientador e diz que “a norma define um mínimo de trinta páginas”. Lá vem a farsa outra vez: o estudante repete com outras palavras o que já foi dito, inclui trechos ou capítulos que nada acrescenta ao conteúdo trabalhado, vai em formatar fontes do seu editor de texto para dar maior espaçamento entre os caracteres e aí cumpre o mínimo de trinta páginas no seu trabalho. Alguns coordenadores exigem até mesmo limite máximo de páginas.
Em Educação parece que nem o que está escrito sobre diretriz da própria Educação vale. No final do ano de 2004, o Ministério da Educação resolveu avaliar a educação básica do ensino brasileiro, para posterior replanejamento. Para isso resolveu recolher depoimentos... Das direções das escolas? Dos professores? De competentes pedagogos? Dos estudantes? Dos funcionários das escolas? Não! Os engravatados do MEC resolveram colher depoimentos dos pais (!!!). Dos pais? Por que dos pais? Acredito que o depoimento dos pais também seja importante numa avaliação, mas num contexto geral. Esse, aliás, é o espírito do Projeto Político Pedagógico (PPP), que todas as escolas devem elaborar o seu, e da idéia da Escola Cidadã.
Duas coisas podem se deduzir a partir da constatação desta iniciativa do MEC: a primeira é que os senhores engravatados que planejam a nossa educação, não sabem o que é um Projeto Político Pedagógico; outra: caso saibam o que é um PPP, estão nos afirmando categoricamente que o Projeto Político Pedagógico é uma farsa. Nesta segunda hipótese quem conhece o ambiente escolar sabe que na quase totalidade das escolas o PPP é realmente uma farsa. Quem está lendo este texto já leu alguma redação de um PPP? Que tal? Na maioria dos que eu li se as escolas cumprissem o contexto do que está escrito a humanidade estaria definitivamente salva. Eu disse na maioria porque nas outras o PPP não passa de mera adaptação do Regimento Interno da escola.
No final desse imbróglio pedagógico os estudantes continuam sem aprender e o próprio MEC denunciando que cerca de 60% dos estudantes, das escolas públicas e privadas, concluem a quarta série sem saber ler e escrever. Aplausos para o MEC. E aí como é que os senhores engravatados resolvem o problema? Criando cotas para os pobres coitados que não tiveram respaldo familiar para aprender no seu período de formação; criando o PROUNI para resolver um problema que está na origem e não na conseqüência. Por que será que eles não conseguem perceber que eles estão tornando o ensino superior ainda mais medíocre do que ele já é? Fico com medo de ser arrogante, mas preciso dizer que os senhores planejadores do ensino não estão entendendo nada. Quanto às cotas em função da cor da pele... Sem comentários.
O que eles fizeram com a universidade brasileira é um caso de polícia. De polícia mesmo. Li uma reportagem da Revista Veja, em que o jornalista denunciava que alguns membros do Conselho Federal de Educação (na época ainda tinha esta designação) prestavam consultoria às instituições que pretendiam iniciar um curso superior e estes mesmos conselheiros/consultores aprovavam os cursos que eles prestavam consultoria. Algum conselheiro foi preso? Não. Bem, pode ter sido uma história inventada pelo jornalista e, neste caso, ele fez uma denúncia grave e falsa. Isso é crime. O jornalista foi processado por calúnia? Preso? Também não. Todos viveram felizes para sempre. Como se nada tivesse acontecido; como se a reportagem não tivesse existido.
Segundo Gilberto Dimerstein no governo Fernando Henrique Cardoso, em que o Ministério da Educação esteve sob a liderança do ministro Paulo Renato de Souza, foram abertos 6 (seis) cursos superiores por dia. Como conseqüência disso já presenciei uma instituição de curso superior sortear passagem para Nova York para aqueles que trouxessem novos alunos. Paralelamente algumas instituições passaram a vender "educação" como se fosse sanduíche. Pois estas instituições que passaram a tratar a educação como uma mercadoria espúria, segundo as próprias declarações de um Reitor de uma dessas, passaram a abrir filiais em qualquer tipo de prédio, até em anexo de supermercado. A conseqüência inevitável disso foi que instituições de renome, reconhecidas como de qualidade, estão quase fechando as suas portas. Ou o MEC não sabe que em muitas instituições de ensino superior os professores estão sem receber seus salários e elas na porta da falência? O nosso ex-ministro deve estar muito contente já que, logo depois de sair do governo, ele abriu uma firma de consultoria nesta área. E ninguém acha nada demais. Lavamos nossas mãos, como Pilatos. Será que estamos tomados pela "Síndrome de Pilatos"?
A competição por estudantes é tão absurda que repercute diretamente na qualidade da formação do profissional de qualquer área. Vejam só: vamos supor que a instituição onde trabalho tenha reunido seus profissionais da educação, seus Pedagogos, e todos tenham concluído que a grade curricular está mal estruturada e precisa ser refeita. Ao se refazer esta grade curricular, de acordo com as necessidades que os estudantes precisarão aplicar em suas práticas profissionais, percebe-se que três anos é pouco para a formação de um Pedagogo competente, por exemplo. Pergunto: mesmo sabendo que a formação de um Administrador Escolar competente deve ser dar num mínimo de quatro anos a instituição irá adotar este procedimento? Respondo: NÃO!!! Se a instituição, que quer trabalhar com seriedade e honestidade, fizer isso irá falir. Se o objetivo de nossa educação é o diploma os estudantes irão procurar a instituição que oferece o curso em menos tempo, independentemente da qualidade de sua formação.

O mínimo que eu poderia dizer da pós-educação no Brasil é: que bagunça!

E a pós-graduação? Não é possível que exista um especialista em educação que possa achar que esteja tudo bem. O mínimo que eu poderia dizer da pós-educação no Brasil é: que bagunça! É difícil até resumir o que falar sobre esta questão. Vamos falar dos objetivos da cada nível da pós.
Mestrado é o curso que prepara o indivíduo para a docência do ensino superior e para o exercício da pesquisa. Confere grau acadêmico.
Doutorado é a defesa de tese sobre tema relevante da educação, com funções de aprofundamento e consolidação do curso de mestrado. Confere grau acadêmico.
Especialização é o curso que visa a um aprimoramento (aperfeiçoamento) ou aprofundamento (especialização) da formação profissional básica supostamente obtida no curso de graduação correspondente. Assim, um curso como este, poderia corresponder, mas não necessariamente, a uma espécie de prolongamento do curso de graduação, levando-se em consideração o avanço do conhecimento relacionado a área de estudo. Os cursos de especialização, via de regra, tem sentido eminentemente prático-profissional e concede certificado.
A proposta parece simples: para se tornar um professor universitário, de qualquer área, o profissional deverá realizar um curso de Mestrado ou Doutorado; para se aprofundar numa determinada área de estudo deverá efetivar um curso de Especialização, Extensão ou Aperfeiçoamento. Desta forma um arquiteto, por exemplo, que deseje se tornar professor universitário deverá fazer um curso de Mestrado. No entanto, para ser aperfeiçoar no conteúdo das disciplinas que oferece, deverá fazer um curso de Especialização.
Mas o que acontece na prática?

A quantidade de cursos superiores aumentou significativamente e a implantação de cursos de Mestrado não acompanhou este crescimento.

Um dos critérios para a avaliação das instituições de ensino superior é levado em consideração a quantidade de professores que tenham realizado curso de Mestrado. Se o objetivo dos cursos de Mestrado é o preparo para docência superior e para a pesquisa, nada mais louvável de ser adotado como critério de avaliação o cumprimento deste curso. Só tem um pequeno problema que parece ainda não detectado pelo MEC: a quantidade de cursos superiores, como foi dito anteriormente, aumentou significativamente e a implantação de cursos de Mestrado não acompanhou este crescimento. Resultado: as instituições que oferecem cursos de especialização inventaram a farsa da especialização em "Docência Superior". Sei lá, mas isso me parece uma maluquice. Você pergunta a um colega professor universitário: "- Tem curso de Especialização?" O outro responde: "- Tenho. Sou especialista em professor universitário".
E a pesquisa? Bem, depois que o reitor da segunda universidade, em termos de quantidade de estudantes do Brasil, declarou nos jornais que pesquisa não serve para nada e nada aconteceu com ele ou com a sua instituição, o que poderemos dizer sobre isso? Sobre pesquisa nos cursos superiores? Perguntem aos engravatados do MEC.
Repetindo mais uma vez: o objetivo do Mestrado não é a preparar para a docência superior e para a pesquisa? Então como explicar o Mestrado em Administração, Odontologia, Psicologia etc.? Deveria ser simplesmente curso de Mestrado para preparar o indivíduo para ter competência como professor universitário, como pesquisador e orientador de pesquisas. O aprofundamento da área de estudos, seja em Administração, Odontologia, Psicologia, ou outra qualquer, deveria ser realizado num curso de Especialização. A bagunça é tão evidente que os cursos de pós-graduação em Administração são chamados de MBA, onde muitos dos seus estudantes não sabem sequer que quer dizer Master in Business Administration. Essa confusão toda foi legalizada pela Portaria CAPES número 080, de 16 de dezembro de 1998, que criou, com tempo de titulação mínima de 1 (um) ano (!!!!), o "mestrado profissional"(!!!). Pode...?

A seleção de professores dos cursos superiores nem sempre está baseada em qualidade e sim na relação de amizade com os responsáveis pela contratação.

Paralelamente a isso a seleção de professores nem sempre está baseada em qualidade e sim na relação de amizade com os responsáveis pela contratação. Baseado nesta realidade, tomando-se como exemplo a área em que estou envolvido, a Pedagogia, encontramos psicólogos ministrando a disciplina Didática, geólogos ministrando a disciplina de Filosofia da Educação, já que, mesmo não tendo a formação na área da Educação, fizeram um "Mestrado em Educação". Na área do Direito a questão é mais grave. Normalmente os professores desta área são profissionais reconhecidos nas suas áreas de atuação (Juiz, Desembargador, Promotor, Advogado etc.), mas não necessariamente bons professores. Por que será que a Ordem dos Advogados do Brasil vem reclamando da qualidade dos profissionais da área do Direito que vêm sendo formados?
Esta realidade está estampada nas instituições de ensino superior, mas e os planejadores da educação no Brasil? O professor Lauro de Oliveira Lima já nos alertou que na Constituinte de 1988 não tinha educadores. Já procuraram saber quem são os componentes da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados? Será que eles seriam capazes de responder o que é aprendizagem, segundo Jean Piaget?
Mas por que então ninguém reclama? Porque é cômodo para todos. Para o professor que não precisa planejar sua aula; para o estudante que copia trechos de livros (quando não só assina seu nome na "cópia" feita pelos colegas, garantindo a sua nota) e para a instituição que garante a permanência do estudante. No final do semestre ninguém aprendeu nada, mas deu mais um passo decisivo nesta "corrida de obstáculos" em busca daquele pedaço de papel que o "rito de passagem" resolveu chamar de diploma. O mais espantoso é que, para aqueles professores que entram numa sala de aula de um curso superior, isso é muito evidente, muito fácil de se constatar. É fácil perceber que os estudantes não estão aprendendo. Não só na disciplina ministrada por eles mesmos como nas ministradas pelos colegas.
Trabalhei num curso de Administração de Empresas, ministrando a disciplina Metodologia Científica, em que nenhum (enfatize-se o nenhum) estudante de uma turma do penúltimo período conheciam Fayol ou Taylor (!?) e suas teorias sobre administração.
O professor Lauro de Oliveira Lima, em seu livro Mutações em educação segundo McLuhan, baseado na teoria da Comunicação de McLuhan, diz que a causa deste fenômeno é a ênfase que se dá ao diploma como fim último da dinâmica escolar. A escola não está preocupada em exercer suas atividades para valorizar a aprendizagem e sim em entregar o diploma no fim do curso. A educação, neste sentido, não passa de uma mera "corrida de obstáculos". Quem conseguir "passar" pelas dificuldades do percurso ganha o papel chamado de diploma no final da "corrida".

A educação é um jogo de cartas marcadas, onde, "a priori", sabemos quem sairá vencedor.

Ora, o diploma nada mais é do que uma forma de se criar uma hierarquia social onde alguns obterão "status" social, outros não. Percebendo isso sabemos que a educação é um jogo de cartas marcadas, onde, "a priori", sabemos quem sairá vencedor. Neste jogo injusto o diploma apenas dá ao seu possuidor o direito legal da manutenção da posse e do lugar social de seus descendentes.
Quem não sabe que a educação é discriminatória? Quem não sabe que existem escolas de ricos e de pobres? Podemos dizer que os estudantes das escolas dos ricos "aprendem" melhor do que os das escolas dos pobres?
Lembro aqui de uma história contada por Ricardo Mella, educador anarquista, na Revista "Acción Libertaria" e transcrita no livro Educação Libertária:
Ptolomeu Philadelpho, rei do Egito, pediu a seu professor, o geômetra Euclides, que fizesse em seu favor algo para diminuir as dificuldades da demonstração científica, em verdade bastante complicada naqueles tempos. E Euclides lhe respondeu: "Senhor, não há na geometria caminhos especiais para os reis". (MELLA, 1989, p.79)
Ora, sabemos que os estudantes de qualquer escola não aprendem. Quem se formou na área de ciências humanas sabe resolver uma raiz quadrada? Ou melhor (ou pior!): sabe o que é uma raiz quadrada? O que é uma equação de segundo grau? Para que serve? O que é um pleonasmo? Uma síncrise? Uma figura de linguagem? O que é uma oração subordinada? O que é uma conjunção? Talvez não saibamos nem mesmo o que seja uma preposição. Se não somos professores de português sabemos escrever corretamente? Usar corretamente a crase, o isso ou isto, usar vírgulas, exceção é com cê cedilha ou com dois esses etc, etc e etc...
Tudo isso (ou isto?) nos foi "ensinado" na nossa formação escolar. E esquecemos... Ora, se esquecemos, será que aprendemos? Se não aprendemos, então para que serve a escola? Na minha opinião para discriminar.
Os professores dos cursos superiores, na sua maioria, adoram dizer que os estudantes não sabem escrever. Mas se os estudantes chegam ao curso superior sem saber escrever, sem saber expressar suas idéias, de quem é a responsabilidade? Dos estudantes ou dos seus ex-professores?
Na pós-graduação a realidade é a mesma: professores despreparados, estudantes desinteressados, instituições desaparelhadas e todo tipo de desonestidade vagando pelos corredores dos cursos, do processo de seleção a entrega da Monografia, Dissertação ou Tese. Certa vez fui procurado por um grupo de estudantes que fazia um curso de Mestrado a distância, desses que só se assiste aulas nos fins de semana. Elas queriam que eu fizesse a "Monografia" (monografia é própria para os cursos de especialização; no Mestrado chama-se Dissertação) para elas. Como tivesse me recusado elas aceitaram a minha orientação para que elas mesmas fizessem o trabalho. Qual não foi a minha surpresa quando as três apareceram juntas dizendo que a "Monografia de final de curso" seria feita em trio (!?). Então não era uma Monografia (mono-um / grafia-escrita, ou seja, escrita de um) era uma "Trigrafia", novidade inventada por uma instituição que estava mais interessada na mensalidade dos estudantes do que no progresso da aprendizagem deles.
Mas talvez tenha sido uma bobagem minha ter me recusado a fazer o trabalho por elas (o que me recuso até hoje), já que poderia ter ganho uns "trocadinhos" a mais. Um professor meu, do meu curso de Mestrado, de uma Universidade Federal, portanto estável em seu emprego, confessou para todos os seus estudantes, na sala de aula, que tinha mandado imprimir um cartão fazendo propaganda que estava disponível para confeccionar trabalhos de final de curso, mediante pagamento. E hoje, de tal forma a realidade está distorcida, já encontramos nos jornais anúncios como estes abaixo: (os telefones foram adulterados por motivos óbvios)


Isso é educação e isso tudo faz da escola, como nos ensina o professor Lauro de Oliveira Lima, "o maior circo da Terra".
Agora eu gostaria de me valer dos ensinamentos de Raul Seixas ("quem tem mais razão, o cientista ou o poeta?", perguntou-me, certa vez o mesmo professor Lauro de Oliveira Lima) em Metamorfose Ambulante e "desdizer tudo o que eu disse antes": não, a educação não É uma farsa; a educação ESTÁ uma farsa. Mudar? Depende de nós, pedagogos. Mas isso é assunto para um próximo capítulo.
E como diria a minha amiga Adriana de Oliveira Lima:


PEDAGOGOS DO MUNDO, UNI-VOS!





Referências:

LIMA, Adriana Flávia de Oliveira. Alfabetização de jovens e adultos e a reconstrução da escola. Petrópolis: Vozes, 1991.

LIMA, Lauro de Oliveira. Mutações em educação segundo McLuhan. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1985.

_________ . Para que serve as escolas?. Petrópolis: Vozes, 1995.

MELLA, Ricardo. O problema do ensino. In.: MORIYÓN, F. G.. (org.) Educação libertária. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989. (Educação: Teoria e Crítica). p. 68-82.






Para referência desta página:
BELLO, José Luiz de Paiva. Educação é uma farsa!. Pedagogia em Foco, Rio de Janeiro, 1998. (revisado e alterado: jul. 2004). Disponível em: <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/filos05.htm>. Acesso em: dia mes ano.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Estudante esfaqueia professor dentro da sala de aula em Campo Grande

13/04/201213h47

Celso Bejarano
Do UOL, em Campo Grande
 
Um aluno de 16 anos de idade, estudante do 1º ano do ensino médio da escola estadual José Barbosa Rodrigues, em Campo Grande, esfaqueou um professor de Física na noite desta quinta-feira (12).
Edvaldo Lourenço da Silva, diretor da escola, informou no boletim de ocorrência, que o professor foi atacado por volta das 22h ao pedir para uma aluna entrar na sala. A aluna conversava com o namorado, que não teria gostado da atitude do docente.
A menina, aluna do 1º ano do Ensino Médio, também de 16 anos de idade, quis entrar, mas o rapaz o impediu, segundo o boletim, e discutiu com o professor de 29 anos de idade. O adolescente estuda em outra sala do colégio, que possui em torno de 1,5 mil alunos.
O estudante tirou da mochila uma faca com uma lâmina de ao menos 15 centímetros, informou a polícia, e partiu para cima do professor, esfaqueando-o nas costas e no braço esquerdo. Os golpes atingiram de raspão o corpo do professor, que teve de ser levado para uma unidade de pronto-atendimento. Ele recebeu curativo e foi liberado.
Após o ataque, o adolescente, ainda com a arma na mão, forçou o guarda patrimonial a abrir o portão. O diretor quis acalmá-lo, mas também recebeu ameaças. O aluno fugiu da escola acompanhado da namorada.
Mais tarde, ele foi aprendido em casa por policiais militares, e levado para a delegacia, onde prestou depoimento, depois foi liberado. O rapaz vai responder por lesão corporal. A escola registrou queixa contra o aluno.
A Secretaria Estadual de Educação informou que vai se manifestar por meio de uma nota que deve ser publicada no site do governo. O diretor da escola disse que é a primeira vez que registrou um caso de polícia por briga na escola. Ele informou também que vai expulsar o aluno

Aluno ameaça de morte professora que pediu a ele para falar mais baixo em escola de Minas

13/04/201217h37
Uma professora de 51 anos, que leciona em escola municipal localizada no distrito de Cláudio Manoel, em Mariana (MG), foi ameaçada de morte por um adolescente de 17 anos após ter pedido a ele que abaixasse o tom de voz dentro da sala de aula.
Segundo a Polícia Militar mineira, o rapaz teria se enfurecido por ter sido advertido na frente dos demais colegas, na tarde de quinta-feira (12). De acordo com o boletim de ocorrência, após a advertência, o aluno insultou a professora com palavrões, momento em que ela o expulsou da sala de aula. Ainda conforme a polícia, o aluno saiu da escola e foi até sua casa, de onde voltou à unidade de ensino munido de uma faca.  
No entanto, o rapaz teria desistido de atacar a educadora por funcionários da instituição de ensino, que conseguiram acalmá-lo, de acordo com informações da polícia.
Porém, ao retornar para casa, o adolescente teria ficado irritado com o fato de a professora ter informado ao pai dele, por telefone, sobre o que havia ocorrido na sala de aula. O rapaz então retornou à escola de posse de uma outra faca. Ao vê-lo, a educadora se abrigou na sala dos professores, onde colocou uma mesa escorando a porta para impedir a entrada do aluno.
Conforme a polícia, o rapaz desferiu vários golpes de faca contra a porta, conseguiu entrar no recinto e agarrou a mulher pelo braço, dizendo que poderia facilmente matá-la. Com a intervenção de funcionários da escola e de integrantes da guarda municipal, o agressor foi desarmado e dominado, mas conseguiu se desvencilhar e fugiu para uma mata nos fundos da escola. A professora não se feriu na ação.
A Polícia Militar foi acionada e conseguiu apreendê-lo. O menor apresentava um ferimento na mão que, segundo a polícia, foi causado pelas pancadas que havia dado na porta. O suspeito foi encaminhado a um hospital e, em seguida, foi levado a uma delegacia da Polícia Civil, onde prestou depoimento e foi registrado um auto de apreensão em flagrante por ato infracional.
Ainda segundo a polícia, o menor foi entregue aos pais por não haver um centro de internação na cidade para abrigar menores infratores. O caso será enviado a juiz de vara da Infância e Juventude.

domingo, 15 de abril de 2012

A escola de tapas e conhecimentos

A televisão a cabo está exibindo um inocente filme francês chamado Professora Mumu. O interior da França, nos anos seguintes à Segunda Guerra. De fato, é a França, um dos países que criaram o conceito de humanidades moderno. Afinal, a própria noção de escola como acesso a um mundo de cidadania e de conhecimento surgiu lá.

No filme, apenas meninos em uma sala de aula comum. Existe a presença do catolicismo. É um internato, por isso o padre e a professora são responsáveis pela educação inteira desses meninos. Os conceitos ainda são os de um mundo que crê em valores tradicionais. E essa crença dá aos adultos o direito de esbofetear o aluno que fez uma gracinha durante uma aula, como ter coberto o seu caderno porque o professor comia enquanto explicava, e acabava cuspindo bolacha mastigada no material escolar dele. A professora bate com um chicote no aluno que liderou uma bagunça enquanto ela esteve ausente. Mas ela também dá banho nos meninos, depois de uma aula de ciências acontecida ao ar livre. Ela é a figura da segunda mãe. Tanto que despe os meninos de dez, onze anos, e lava suas genitálias. Parece que ela não tem família, vive para a profissão, é uma imagem feminina do padre.

São os típicos meninos normais do cinema europeu. Aos dez anos, fumam escondido. São aqueles rebeldes que mudariam o mundo, fariam a revolução sexual, mas jamais chutariam um cesto de lixo ou rabiscariam um livro. E o cinema os vê como os heróis de uma sociedade que não entende o que ocorre com crianças e adolescentes. Lembra Os incompreendidos, de Trufault. Outra vez, as crianças são inteligentes, poderiam ter uma conversa de horas com Sartre ou Foucault. E a escola vê nelas apenas indisciplinados que ela precisa amansar, impedir que namorem, que espiem meninas tomando banho. Outra vez, deve ser a lembrança bucólica de algum cineasta, olhando o próprio passado para se definirem como crianças adoráveis e injustiçadas pelo sistema. O menino foge do internato, parece um personagem de Dickens sendo perseguido por religiosos e policiais. A professora as chama de idiotas, estúpidas, e elas choram.

A figura do herói. Novamente, as crianças estão do lado certo. E a escola ainda é aquela instituição baseada em valores morais, convenções, ideias oitocentistas em pleno século XX. De fato, não há sequer crianças feias: o cineasta selecionou meninos vistosos, que nunca devem ter tido uma cárie.  Elas conhecem geometria analítica em uma idade na qual as crianças brasileiras ainda acham que til é um acento e que a letra C tem som de C. Conhecem latim, leram os clássicos da literatura, assistem a uma declamação poética.

Os pais chamam o filho de vergonha, ameaçam mandá-lo ao reformatório. Falam do filho que é motivo de orgulho. E o menino é um herói, teve que ser indisciplinado para ajudar outras pessoas.

Outra vez, a cadeia composta por mestres, alunos e pais. Existe algo assim no Brasil? Evidentemente, não. São segmentos que estão em guerra. Ao longo das décadas, aquelas crianças do filme se vingaram. As leis que existem hoje não apenas proibiram tapas, chicotes, insultos, ofensas morais, como reduziram a importância do mestre. O aluno vai à escola para obter o conhecimento científico, e os valores morais são creditados à família. Na França, tudo em ordem. O estado instrui, a família educa. No Brasil, essa geração criou as leis que serviriam para tirar as crianças da rua, após o massacre da Candelária, mas creditam à escola a função de permanecer passiva diante de pais e de alunos mal intencionados. O aluno que veio das inúmeras candelárias brasileiras quebra o patrimônio público, intimida os mestres com ofensas morais e ameaças à integridade física. Mas a lei brasileira acredita que esse aluno é aquele do filme francês. Ela acredita também que o pai desse aluno lê os clássicos, conhece metodologia de ensino, Winnicott, Vygotski, e pode intervir quando acha que o professor está errado. Da mesma forma, existe a indústria da educação. Hoje as escolas criaram sistemas inócuos de avaliação, como as pesquisas na internet, que já vêm prontas. Algumas escolas criam uma formatação para essas pesquisas, e enganam alunos e pais, dizendo que aquilo é trabalho científico. Não sabem que trabalho científico é inédito, original. E a indústria também tem as tarefas para casa, que são apenas exercícios mecânicos, como completar lacunas. Mas os pais querem que essa ação sem funcionalidade nenhuma, como a de copiar trechos a mão, represente parte significativa da nota. O que sobra é o meio mais estúpido e improdutivo de se obter nota: prova bimestral. Já demonstrada pelos principais educadores do mundo como um instrumento de classificação, mas não de avaliação. Mas os pais acham que apenas ela avalia, porque ela significa que seu filho pode passar semanas sem se importar com os conteúdos escolares, e dar conta de apreender algumas informações em apenas uma noite dedicada à decoreba. Os mesmos pais capazes de pagar para outros fazerem as tarefas dos filhos compram equipamentos eletrônicos para eles colarem.

Não há dúvida de que há pais com alguma preocupação com a formação científica dos filhos. Alguns colocam os filhos na rede particular e confiam em absurdos, como o criacionismo. E essas escolas, que estão entre as piores do mundo, pela falta de cientificidade, tornam-se modelos. Existe o pai preocupado com a educação na escola pública. Este formou suas opiniões em chavões sobre o que é exigir de menos ou exigir demais. Por exemplo, acham que as inócuas semanas de provas são exemplos de organização. Mas acham que a leitura dos clássicos da língua é exigir coisa inútil. Invertem a própria razão de a escola ter sido inventada, desconhecem a etimologia de escola e seu significado. Esses ainda acham que a escola é quantitativa e eventual. Para eles, não há construção de conhecimentos, mas apenas a paráfrase do que os livros didáticos falam. Mas ainda existe aquele que quer apenas a nota, e justifica o fato de o filho não fazer as atividades que representam construção de conhecimento. São imorais, corruptos, preferem o filho segurando uma lata de cerveja a vê-lo lendo um clássico. São eles a maioria. E existe o que passou a ver na escola a solução para a candelária e o sinal de trânsito: as bolsas escolares sustentam inclusive o tabagismo dos pais. Se alguém cobrar resultado da escola pública, corre o risco de ser abatido a tiros. E a diretora dirá a esse professor que os alunos estão ali só para comer, que não se deve exigir deles nem a correta escrita dos nomes, mas que nota, sim, é uma exigência.

O mestre ficou sendo apenas um servidor. Ele, de outra forma, continua dando banho nos meninos e os alimentando com mingau de aveia. Mas, se disser que está se responsabilizando por aquilo que é obrigação da família, a opinião pública reage, porque ainda acredita na professora dos anos 40 como um modelo, e diz que o professor daqui não é tudo isso. Esse professor virou um pária: se querem que ele seja apenas um servidor, ele vai passar a carreira querendo apenas percentuais a mais no seu salário. Como a professora do filme francês, ele luta para quebrar o ciclo que faz dele uma mãe ou uma tia. Mas, como aquela, adota como filho o menino que machucou seu rosto. Para lhe dar conselhos e nota, mas nunca o conhecimento científico, como aquela fazia: elaborava questões de história e matemática enquanto esfregava as costas deles.

Todos os envolvidos parecem querer apenas sossego. A escola não é a sua principal preocupação. O professor quer poder assistir a seus reality shows sem lembrar que existe toda uma produção científica observando suas ações e a inutilidade de suas crenças. E o aluno pode passar a noite ao Facebook sem lembrar que existe o conhecimento científico. E os pais querem poder deixar o filho digitando com seus colegas enquanto a impressora faz aquilo que deveria ser a produção intelectual do menino.

Existe, sim, uma produção científica. Aquela feita no âmbito das ciências. E aquela feita para explicar como a primeira pode ser ensinada e aprendida. A escola ignora ambas. Não sabe que existem disciplinas como a Linguística Textual ou a Análise do Discurso. E passa a perseguir toda informação que contrarie aquele chavão criado na época em que o pai do aluno ia à escola. O professor fica como um lacaio, e ignora a ciência que deveria ensinar. E é sobretudo a ignorância das verdades científicas que constrói a falência do ensino. O professor ignora que existe fatiamento, memória de curto prazo, e faz da escola o espaço para a informação descartável. Ele está em guerra, e fazer isto representa a aceitação das premissas dos pais, que fracassaram como alunos, e da escola, fracassada como instituição.

Todos têm culpa. O filme francês mostra uma escola em que o aluno aprende, mesmo de forma tradicional. A escola brasileira mostra todo dia a falta de cientificidade que formou pais e professores no país. Ela esconde os parâmetros curriculares, diz que o aluno nem deve saber que essas coisas existem. Esconde a LDB. Cria regimentos internos contrários a leis federais. Fracassada e arrogante. Hoje é ela que leva os tapas e as chicotadas dos alunos, que os aprendem em casa. Sua vingança é fazê-los fracassados.  

sábado, 14 de abril de 2012

Sobre a maldição das provas no ensino daqui




Um artigo interessante, demonstrativo do nosso ensino voltado para o "fazer prova" e não para o APRENDER
Como desisti da Escola Politécnica
Jotagá Crema
Na Poli, as várias técnicas de cola eram uma instituição, trapacear era natural; os alunos acabavam a prova e as fórmulas, de origem misteriosa, já eram esquecidas
Em 2002, comecei a cursar engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Tinha passado os últimos dois anos do colegial obcecado por notas e vestibular.
O colégio onde fiz o ensino médio, o Agostiniano Mendel, estimulava os alunos a estudarem para as provas através de rankings de classificação, que serviam para definir em qual sala cada um ficaria.
Entrei completamente no jogo. Raramente conversava com amigos fora do colégio, saía pouco, dificilmente pesquisava assuntos não relacionados ao vestibular -sentia culpa por estar perdendo um tempo precioso. Fiz uma lista de livros e filmes que poderia ler e assistir quando finalmente passasse no vestibular.
Não sabia qual curso escolher. Meu melhor amigo tinha um primo engenheiro com um belo emprego corporativo. Como eu era bom em exatas, por que não garantiria uma carreira promissora?
Apaixonei-me pelo campus da USP. Fui a festas. Tive alguns amores uspianos. Até remo pratiquei.
Na Poli, as semanas de prova guiavam as vidas dos alunos. Todos entravam no ciclo básico e, de acordo com a sua classificação, escolhiam as especialidades. Ou seja, a competitividade do colegial seguia. Eu nunca tinha tirado uma nota vermelha na vida até a primeira prova de álgebra linear. Percebi que jamais seria um dos primeiros do ranking e me sentia cada vez mais desmotivado.
As coletâneas de provas de anos anteriores, vendidas no xerox do grêmio, eram muito disseminadas. Estudávamos através delas, muitas vezes sem saber de onde surgiam fórmulas e técnicas. O objetivo era passar nas provas, não aprender. Era tão grande a pressão por notas, e as disciplinas tão desconexas, que trapacear era algo natural.
Colas: escritas sutilmente nas antigas carteiras de madeira, com uma leve passada de borracha para disfarçar. Em papeizinhos escondidos no estojo, na caneta, no bolso. Escritas no braço ou nas sofisticadas calculadoras HP, nas quais armazenávamos páginas de fórmulas. Papéis que passavam de um estudante para o outro. E o bom e velho cochichar.
Tínhamos uma ética própria na arte da cola: jamais dedávamos alguém em nossa tática de guerrilha contra um sistema de avaliação maluco. E bastava terminar a prova para que todas aquelas fórmulas e técnicas vazias abandonassem a mente.
Em 2005, estava no quarto ano, em engenharia mecatrônica. Estagiava há dois meses em um banco. Ia para a Poli de tarde com uma roupa social que me dava um ar sério.
Ao dar uma aula-trote na semana de recepção dos calouros, percebi o quanto tinha me afastado do amor que eu tinha pela ciência e como o meu conhecimento era superficial -fiquei em silêncio e, estarrecido, abandonei a sala.
O tédio imperava no estágio. Fazia com indiferença os cursos do banco: trabalho em equipe, influência, negociação... No computador de trabalho, escrevia textos de ficção. Na Poli, fazia as provas e tirava as notas suficientes de sempre.
Até que, um dia, fui pego colando em uma prova de eletrônica digital. "É, João. A vida não é fácil", disse o professor. "Mas não é impossível", pensei. Fiquei profundamente feliz por ser pego, tive certeza de que ali não era meu lugar.
Abandonar a Poli foi difícil. Outro aluno também foi pego passando a resolução de um exercício. O professor decidiu nos vincular: um só passaria se o outro também passasse. Mesmo tendo desistido, fiz as aulas e as provas. Fui aprovado com 5,0.
Saí com a consciência tranquila e passei em último lugar no curso de audiovisual da USP. Estou formado há um ano e creio que, apesar do difícil mercado de trabalho, estou na área certa. Sinto maior liberdade para pensar e me expressar. Uma escolha errada não precisa acabar com uma vida inteira.
Preparo-me para fazer mestrado. Quero ser professor. E tenho certeza de uma coisa: se um dia tiver de aplicar provas, elas terão consulta.