Um exemplo notório de perfeito-idiota do ensino público: a
aluna que fez um escândalo porque seu texto foi usado numa aula de refacção de
textos. Um exemplo mais gritante ainda: os responsáveis pela aluna que, mesmo
já tendo passado pelo ensino básico, nunca fizeram uma produção de texto dentro
do que a metodologia considera como tal; um exemplo que beira o escandaloso: a
despreparada pedagoga que nunca ouviu falar de metodologia de ensino ou de
sequência didática.
E, no entanto, a lista de perfeitos-idiotas se estende até
as cadeiras mais elevadas de núcleo ou de secretaria de educação. Ninguém sabe
que a proposta curricular elaborada no estado assume as sequências didáticas
como sendo a metodologia mais adequada ao ensino de línguas. Todos são como a
garotinha cujo pai paga para um profissional fazer seu trabalhinho, e ela fica
toda orgulhosa na hora de tomar chazinho com a diretora, e a mãe chega a falar
em habilidades elevadas.
Afinal, as Diretrizes
Curriculares Estaduais são claras:
Cabe
ao professor planejar e desenvolver atividades que possibilitem aos
alunos
a reflexão sobre o seu próprio texto, tais como atividades de revisão, de
reestruturação
ou refacção, de análise coletiva de um texto selecionado e sobre outros
textos, de diversos gêneros que circulam no contexto escolar e extraescolar. (P. 80)
textos, de diversos gêneros que circulam no contexto escolar e extraescolar. (P. 80)
Por
meio desse processo, que vivencia a prática de planejar, escrever, revisar
e
reescrever seus textos, o aluno perceberá que a reformulação da escrita não
é
motivo para constrangimento. O ato de revisar e reformular é antes de mais
nada
um processo que permite ao locutor refletir sobre seus pontos de vista, sua
criatividade, seu imaginário. (P. 70)
criatividade, seu imaginário. (P. 70)
Para
dar oportunidade de socializar a experiência da produção textual, o
professor
pode utilizar-se de diversas estratégias, como: afixar os textos dos alunos no
mural da escola, promovendo um rodízio dos mesmos; reunir os diversos textos em uma
coletânea ou publicá-los no jornal da escola; enviar cartas do leitor (no caso dos alunos)
para determinado jornal; encaminhar carta de solicitação dos alunos para a câmara de
vereadores da cidade; produção de panfletos a serem distribuídos na comunidade; entre
outros. Dessa forma, além de enfatizar o caráter interlocutivo da linguagem, possibilitando
aos estudantes constituírem-se sujeitos do fazer linguístico, essa prática orientará não
apenas a produção de textos significativos, como incentivará a prática da leitura. (P. 77)
mural da escola, promovendo um rodízio dos mesmos; reunir os diversos textos em uma
coletânea ou publicá-los no jornal da escola; enviar cartas do leitor (no caso dos alunos)
para determinado jornal; encaminhar carta de solicitação dos alunos para a câmara de
vereadores da cidade; produção de panfletos a serem distribuídos na comunidade; entre
outros. Dessa forma, além de enfatizar o caráter interlocutivo da linguagem, possibilitando
aos estudantes constituírem-se sujeitos do fazer linguístico, essa prática orientará não
apenas a produção de textos significativos, como incentivará a prática da leitura. (P. 77)
No entanto, o perfeito-idiota não admite o que as diretrizes
curriculares apontam. Para esses pobres-diabos da educação, o que está lá é
apenas sugestão. Eles não alcançam a verdade científica que as diretrizes
resumem, toda a pesquisa que existe por detrás de um documento norteador bem
fundamentado. É o caso dos chefes de setor de núcleo, que desconhecem até mesmo
o que as leis federais determinam sobre uniforme ou nota. Em dezembro passado,
lembro-me de um deles chamando os professores com contratos temporários de
imbecis, a eles que já esperavam lá por cerca de quatro horas para que os tais
funcionários começassem a distribuir as aulas. Saboreando o fato de não terem
conseguido organizar seu trabalho para a hora marcada no gosto de deixar
dezenas de professores sentados no pátio de uma escola, de pegar um megafone e
chamá-los de “ignorantes, não entendem nem o edital, nem parecem professores”.
E, no entanto, o
perfeito-idiota vai às escolas e considera absurdo que um professor torne
público o texto de uma aluna. Considera o fato oposto ao que as diretrizes
apregoam nos trechos acima, ou seja, que todo texto produzido por aluno deve
circular pela escola e fora dela. Mas, principalmente, que a refacção dos textos
é o momento em que estes são vistos e discutidos pela turma. Em alguns países,
esse aluno de quem se discute o texto inclusive se senta diante da turma. Mas o
perfeito-idiota ainda acredita nos chavões que ouviu de uma pedagoga quando
ainda atuava em sala de aula.
No entanto, a aluna perfeita-idiota acha a ação de fazer os
textos servirem como referência para análise linguística e refacção, aprendida
nas universidades, como um constrangimento. Para não se usar aqui o nome
legítimo de uma aluna que seria motivo de riso dentro de toda sala de curso de
letras sério, chama-se a mesma de Gabriela, para se celebrar o centenário de
Jorge Amado. Afinal, uma Tereza Batista, por exemplo, tem objetivos por que
lutar; Gabriela, não. É como uma aluna do Colégio Olavo Bilac, de Faxinal, que
deveria escrever sobre as expectativas em relação ao governo Dilma e foi
taxativa na hora de se recusar: “A gente aqui desta turma só sabe falar sobre
sexo.” E eu, que acabava de conhecer a turma, uma oitava série, achei que fosse
apenas deboche... Os alunos da oitava série da Escola Estadual Angelo Trevisan,
de Curitiba, poderiam escrever sobre outro assunto. Mas o resultado seria como
o da colega Gabriela acima: sem gênero textual definido, sem superestrutura,
sem ponto de vista, sem argumento, desconhecendo princípios de concordância, repetindo à exaustão uma ideia já formulada.
Imagine-se a cena dantesca de vários perfeitos-idiotas indo
procurar uma pedagoga que, durante anos de profissão, leu apenas receitas e
revistas de fofoca, para dizer que a correção do texto de um aluno, como
modelo, tal como indicado nas propostas curriculares, é algo nunca antes visto
nas suas vastíssimas referências sobre o ensino de escrita. A aluna foi alvo de
constrangimento. E a pedagoga busca os chavões de quando era uma adolescente lá
perto de Maringá e cursava o magistério, pois ao curso de pedagogia foi
possível ir apenas nas noites de sexta e passar grande parte do tempo em
lanchonetes. Ela acha, na profundidade de seu conhecimento científico, que a
aluna não podia ter seu texto conhecido pelos demais, nem ela saber o que os
outros fizeram. Nessa hora, acontece como a grande treva que cobriu a terra
enquanto Cristo jazia na cruz: todo o conhecimento científico organizado, todo
o trabalho de pesquisa feito nos grandes centros de ensino, tudo isso foge como
um cão sarnento diante da pedagoga, portadora da tocha da Grande Ignorância que
mata o progresso do ensino no país. Ela ganha os seus três mil reais para matar
o conhecimento científico na escola e faz por merecê-los. Quem dirá que não?
A escola chegou à segunda década do século sem dispor de
mecanismos para tornar conhecidos os textos feitos por seus alunos. Algo que já
está nas propostas curriculares há cerca de trinta anos. O trecho de O texto na sala de aula, de Geraldy, de
1985, é um exemplo:
As práticas efetivas significam: ações concretas de comunicação.
Mas o aluno perfeito-idiota vai continuar achando que escreve para o professor,
porque mamãe fazia assim, e também uma diretora que não consegue redigir um
documento oficial não vê por que mudar. O que fazer quando ana-ana-analfabetas
possuem a autoridade do cargo, mas não a autoridade do conhecimento? Não
conhecem sequer os “procedimentos pedagógicos” de uma pedagogia baseada na
ciência e não na perfeita-idiotice. O perfeito-idiota está no poder, como
ironiza Vargas Llosa.
O ridículo de ter esse tipo de aluno conspirando contra o
conhecimento científico só diminui seu caráter surreal quando se pensa que os
adultos já escolarizados estão no mesmo nível de conhecimento. Mas eles já
chegaram aonde queriam. Os pequenos devem seguir o mesmo caminho.
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