O que as escolas curitibanas vêm fazendo com tudo que se
falou sobre avaliação nas últimas décadas?
Existem pessoas que fazem da sua atuação científica um
pressuposto de vida. Para elas, os exemplos curitibanos que eu vou colocar aqui
são uma afronta. É uma atitude de deboche para com o conhecimento científico,
da mesma forma que diretores e funcionários do núcleo de educação ridicularizam
desde o capítulo V da Constituição até o conhecimento que resulta das
principais pesquisas feitas nas últimas décadas. Essa gente ridiculariza Vygotsky
ou Wallon, como ignora Winnicott e ri de todo conhecimento científico
desenvolvido fora da educação, mas que a escola deveria transmitir. Assim, quem
está na universidade, nos centros de pesquisa, e acredita na ciência como
suporte para ações que não visem apenas aos votos em candidatos profissionais à
direção ou a cargos políticos, vê essas avaliações como uma vingança de gente que
não pesquisa, não conhece teoria científica, odeia as propostas curriculares
sérias, mas que está lá, sentada em sua cadeira, sem importarem os meios usados
para chegar até lá.
Por exemplo, aqui abaixo seguem diversas atividades feitas por
alunos do Colégio Estadual Santa Felicidade. Pode parecer piada, mas são
atividades que representam a nota e o meio de se verificar se o aluno atingiu
os objetivos pelos quais o contribuinte paga os salários do diretor, das
pedagogas e dos professores. Em alguns casos, é a única nota, mesmo as Leis de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional proibindo.
Veja-se a atividade abaixo. Feita por aluno de ensino médio.
Quem a olha não consegue perceber um único objetivo científico para alguém
gastar tempo com isto. Mas o objetivo está presente em todas as escolas em que
funciona ensino noturno: entregar algo que segure a nota sem aprendizagem, mas
principalmente permita que alunos e professores possam sair da aula antes da
hora.
E essas palavras riscadas em um papel são uma avaliação para
essas pessoas:
Repare a atividade. Ele não reconhece os tempos verbais. Não
aqueles bem específicos, como imperfeito ou perfeito, mas o simples
reconhecimento de que escreveu uma oração no passado e não no presente. Um
aluno nulo, sem nenhuma informação que o habilite a frequentar uma
universidade. E que escola empurra, sem que habilidades integrem suas
preocupações. Não reconhecer tempos verbais no terceiro ano do ensino médio é
um problema cognitivo, mas o aluno acha que isto pode ser resolvido
escrevendo-se o que ele quer com giz de outra cor, coisas do tipo que levam o
aluno a ações mecânicas. No caso, o aluno veio à escola uma semana depois de os
demais terem participado de uma tosca e antipedagógica semana de provas. Feita em 2011, por falsos educadores. Essa atividade absurda
corresponde, para eles, a uma avaliação, mesmo um teórico como Júlio Furtado (para
não falar em Freire, Gadotti, Antunes) dizendo que não:
A avaliação que só
constata (e que, na essência, não é avaliação, mas apenas “exame”) é fruto de
uma pedagogia comprometida com a consolidação de uma sociedade burguesa, em que
operações como constatar, classificar e excluir são processos vitais para
garantir a permanência dessa mesma sociedade. [...] A simples constatação (que
insistimos em chamar de avaliação) é uma situação estanque, na qual o aluno
“interrompe” seu processo de aprendizagem para mostrar o que aprendeu. É
pontual. Apenas uma fotografia do que se sabe no momento, sem nenhum
compromisso com o processo que gera a aprendizagem. Passado e futuro são
ignorados nessa situação. O que vale é o presente, “formatado” para constatar o
que se sabe aqui-e-agora. A cena de um aluno que, dez segundos depois de
entregar a prova, sem ter saído ainda da sala, diz ao professor: “Puxa, acabei
de perceber que fiz bobagem numa questão, posso revê-la?”, seguida da resposta
que ele quase certamente receberá de pelo menos noventa por cento dos
professores exemplifica muito bem o caráter estanque da constatação. [...]
Desse modo, a avaliação que só constata é excludente, pois não assume nenhum
compromisso com o “vir-a-saber” do aluno. [...] A real avaliação não é uma
fotografia, é um filme. Leva em conta o passado, o presente e o futuro. [...] A
avaliação que apenas constata não é somente “herança de uma guerra santa”; é
também um mecanismo de manutenção social que em muito serve à sociedade “neo-burguesa”
em que vivemos. Quebrar a lógica da avaliação é quebrar a lógica social, o que
exige um alto nível de comprometimento social do professor.
O que Celso Vasconcellos escreve também é algo sabido (menos
nessas escolas; menos dos funcionários pagos para levarem essas coisas a sério):
No
enfrentamento da distorção do processo de avaliação de ensino-aprendizagem,
temos apontado a necessidade de superação da avaliação tipo “prova”. Queremos
deixar claro que estamos nos referindo à prova entre aspas, qual seja,
àqueles “momentos especiais”, com rituais especiais, dificuldades especiais,
etc., que representam uma verdadeira descontinuidade na prática pedagógica, e
não às atividades – escritas, inclusive – que o professor utiliza no cotidiano
da sala de aula para coletar informações sobre a aprendizagem dos alunos. [...]
A avaliação deixa de ser considerada como uma dimensão da aprendizagem,
para ser apenas a com-“prova”-ação do
que o aluno sabe.
Na prática, quais os motivos que levam o professor a usar a “prova”? É
mais cômodo (permite um tempo para “respirar”, corrige tudo de uma vez, etc.);
o docente tem a visão de que “sempre foi assim”, não percebe a necessidade de
mudar; não sabe fazer diferente; sente-se seguro assim, já que há uma
legitimação social para este tipo de prática (especialmente em termos de
preparação para os exames); existe a possibilidade de usá-la como ameaça para o
aluno (forma de controle de comportamento); e localiza o problema no aluno, não
se questionando o processo. (Grifos do autor.)
Repare que Furtado fala exatamente daquele modelo de falsa
avaliação chamada “prova”, que é feita a partir de rituais que não têm nada a
ver com o processo de aprendizagem. E Vasconcellos, dos vergonhosos rituais que
os professores tentam trazer da sua escola, como se ela tivesse sido ótima. No
caso específico do Colégio Santa Felicidade, essa prova é um imbróglio criado por professores que
acreditam terem estudado numa escola perfeita. Ela nem é feita pelo professor
da disciplina, que acompanha o aluno, mas por uma ou duas pedagogas que jamais
leram a proposta curricular do estado. Se leram, não compreenderam. Nem acham “legal”
compreender, pois o aluno estaria obrigado a mostrar habilidades e
conhecimentos, e isto a escola não quer, nem os pais, nem a APMF, e o diretor
quer notas azuis. Mesmo que o aluno passe o bimestre colorindo sacis e cucas. E
eles colorem. Para saírem mais cedo. Vasconcellos fala sobre o “sempre foi
assim”, raciocínio generalizado entre as funcionárias dos setores do núcleo,
que querem que esses rituais sejam repetidos e resultem em aulinhas para amigas
que, como elas, não têm um deputado que as encaixe em cargos públicos sem que
cumpram as obrigações que o Conselho Nacional de Educação estabelece para elas.
O aluno das orações acima, que já deveria saber escrever
textos sérios em inglês, entrou na sala depois de metade da aula transcorrida.
Onde ele estava? Os alunos do referido colégio fumam no corredor. Tabaco. E
outras coisas no banheiro, que os fazem passar aulas debruçados nas carteiras. Com
os coleguinhas alertando: Mexer com eles é perigoso! Na semana de provas, que a
pedagoga elaborou a partir de seus livros lá da década de 80, ele faltou.
Afinal, a escola dá uma prova de recuperação valendo toda a nota do bimestre. A
LDB deixa claro que isto não pode ocorrer. Mas o que é a LDB em Curitiba? O que
coloca diretores de escolas nas suas cadeiras é o apoio a ações como o tabaco
entre alunos que votam. Garantir a liberdade de uso de tabaco (e ignorar o que
se faz no banheiro) é uma garantia de se terem votos.
A folha abaixo é a reprodução da recuperação de tal aluno.
Dez X feitos em uma folha. Nada que corresponda à série. Nada que corresponda à
idade. Nada que corresponda às diretrizes nacionais. Nada que corresponda às
diretrizes do estado. idêntica à prova original, que o aluno nem veio fazer, pois se fizesse precisaria de outras atividades e de comparecer a outras aulas. Veja-se:
Comparem-se os tópicos da “avaliação” feita pelo aluno com o da proposta curricular oficial do estado. Não restou nada. Olhe-se o que é para ser avaliado. Não restou nada. E a proposta oficial deixa claro:
Nesse quadro, os
conteúdos básicos estão apresentados por série e devem ser tomados como ponto
de partida para a organização da proposta pedagógica curricular das escolas. (...)
Por serem conhecimentos fundamentais para a série, não podem ser suprimidos nem
reduzidos, porém, o professor poderá acrescentar outros conteúdos básicos na
proposta pedagógica, de modo a enriquecer o trabalho de sua disciplina naquilo
que a constitui como conhecimento especializado e sistematizado
Acrescentar conteúdos? Ou seja, não cabe ao professor
excluir os conteúdos da tabela, em nome de uma pretensa natureza local, de uma
cultura específica. O que o professor pode é ultrapassar esses conteúdos. São
esses conteúdos que garantem ao aluno os conteúdos básicos, não importa aonde
ele vá. Mas, imagine-se dar ao aluno esse direito!
Por falar nisso, aqui estão eles:
Conteúdos básicos Encaminhamentos teórico- Avaliação
metodológicos
|
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|
Os conteúdos básicos oficiais para o terceiro ano do ensino
médio. Ou seja, a etapa final, quando os conhecimentos não estão em início, mas
em finalização. Jogados fora. Uma funcionária do setor Santa Felicidade chegou
a dizer que esses conteúdos são apenas uma sugestão. Ela não percebe o absurdo
da proposta curricular da escola sob sua supervisão. Super. E o diretor dizia
que a estratégia confirmada por toda a literatura científica como inócua e
prejudicial, e proibida em 2008 na maioria dos núcleos de educação do estado,
estava dando ótimos resultados em seu colégio. O resultado está nos
caça-palavras, nas provas como a do aluno acima. Ele obteve 9,0 pontos tendo
feito apenas essa loucura. Ótimo resultado: a escola merece medalhas. Quem sabe
o que é IDEB sabe o quanto o número de aprovados em terceira série pesa no
índice da escola. Nas ninguém olha se apenas 3 alunos fazem ENEM, e se os
conteúdos são crias molhadas da placenta de professores sem conhecimento.
Repare que nenhum dos conteúdos presentes na proposta
oficial consta da prova feita pelo aluno. Repare que nenhuma das práticas
(oralidade, escrita e leitura) está lá. O que está ali é exatamente o que os
currículos dizem para não se fazer. Mais que currículos: o que os profissionais
da universidade condenam. Repare agora o currículo do Colégio Santa Felicidade:
Pode parecer piada. É trágico, porque atropela o
conhecimento científico sobre a disciplina, atropela o processo de aprendizagem
do aluno. É ridículo, sim. Merecia uma sátira em algum programa humorístico: a
pedagoga que penteia os cabelos longos e loiros enquanto elabora provas
copiadas de livros didáticos condenados pelo MEC e pela SEED. Mas o resultado
será sempre o aluno vitimado em sua própria capacidade. O aluno que aprende
inglês em escola paga, e que vira um perfeito-idiota nas mãos de quem recebe
para levá-lo ao conhecimento. Conhecimento que a pedagoga não possui. Nem os
professores da disciplina do referido colégio. Novamente, chegam até lá sem
terem sequer lido as diretrizes curriculares. Como disse uma aluna do ensino
médio do referido colégio: a única coisa que ela aprendeu naquele colégio, na
sexta série, foi a fumar. A aluna é a imagem que sintetiza tudo que os profissionais
daquele colégio fizeram com a informação responsável. Um barato! Este se transforma
em baforadas tomadas de vez em quando. E que fazem imenso mal. Mas que têm
sustentado legiões de perfeitos-idiotas em suas caminhonetes de cabine dupla. E
o aluno que só vai se preocupar com habilidades e conhecimentos quando se
matricular em um curso pago faz um gesto obsceno diante da escola: Desta eu me
livrei!
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